sábado, 11 de fevereiro de 2012

QUEM GANHA COM A AUTONOMIA DA UEPB?


Marcelo Gomes Germano

Não entendo porque alguns poucos paraibanos, como é o caso do atual governador
Ricardo Coutinho continuam rejeitando o processo de autonomia da UEPB. Talvez nós que
fazemos parte dessa instituição de ensino sejamos culpados por não esclarecer a comunidade
paraibana da importância envolvida neste processo aparentemente simples. Mesmo alguns
colegas professores ainda não compreenderam a dimensão e o alcance de uma medida dessa
natureza.
A questão fundamental é que a tal lei da autonomia garante à Universidade o direito de
receber duodécimos, assim como acontece com o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas, o
Ministério Público e a Assembléia Legislativa. Para além dos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, surge um quarto poder: o poder da comunidade universitária com seus professores,
pesquisadores, técnicos administrativos e milhares de estudantes, agora com autonomia e
liberdade para gerir recursos e idéias. Não resta dúvida que a presença deste novo poder
democratiza o acesso a uma considerável fatia de recursos que dantes não ultrapassava o
controle dos três poderes. Talvez seja essa a resistência de alguns parlamentares e do atual
governador. Não conseguem aceitar o fato de um filho de trabalhador cursar uma Universidade
de qualidade, fazer Mestrado e Doutorado e depois tornar-se professor universitário com um
salário que, embora muito inferior ao de um deputado estadual ou magistrado, lhe permite
uma sobrevivência decente com autonomia intelectual e política.
Ao garantir recursos mensais com base em percentuais estáveis e pré-estabelecidos na
lei orçamentária anual do Estado, a UEPB inaugurou um novo período de sua história e, muito
rapidamente, assumiu o primeiro lugar no ranking das melhores universidades estaduais do
Norte e Nordeste brasileiro, à frente, inclusive, de tradicionais universidades estaduais como a
da Bahia, de Pernambuco, do Ceará e do Rio Grande do Norte. Mas, estranhamente, o que é
motivo de orgulho para o povo paraibano, parece incomodar profundamente o atual
governador e ex-companheiro do PT. Embora a maioria repita que a educação será a prioridade
de suas administrações, a realidade sempre tem demonstrado o contrário. A Universidade só
conseguiu caminhar com dignidade quando assumiu o controle dos próprios recursos. Não
queremos retornar a tutela de governantes que utilizam os recursos do estado de acordo com
suas conveniências políticas, colocando o Reitor e a administração da Universidade numa
situação de subserviência e dependência político-administrativa. A Universidade pertence ao
Estado e ao povo paraibano e não a Ricardo Coutinho, Cássio, José Maranhão ou qualquer
outro que seja. Essa autonomia, ou melhor, essa liberdade, vem incomodando muita gente e a
briga pelos percentuais esconde outra intenção muito mais sutil: desrespeitar paulatinamente a
lei para que ela perca o valor e possa ser revogada.
Uma primeira estratégia do atual governador é a de jogar uma categoria contra a outra
para provar que todas estão contra a governabilidade e contra a maioria da sociedade
paraibana. Assim foi feito com a Polícia, com Fisco e agora chegou à vez da UEPB. Comparar o
orçamento da UEPB com o da USP foi uma piada muito boa, mesmo porque, já somos
considerados a USP do Nordeste.
A segunda falácia é a falsa preocupação do governador com o Ensino Médio – alguns
colegas da educação básica já começam a acreditar que, com o fim da autonomia, o governo
vai investir milhões no ensino Fundamental e Médio – é bom ficar atento porque a história
prova o contrário. Quando as verbas de custeio da UEPB eram apenas 80.000,00 reais, os
salários dos professores da rede pública do estado eram muito inferiores aos de hoje. A
diferença é que antes da autonomia, fazíamos greves juntos porque estávamos quase todos no
mesmo barco. Através da luta, conseguimos dar um passo e, ao contrário do que tenta
apregoar o nosso governador, o crescimento e consolidação da Universidade, qualifica melhor
os nossos colegas e exige uma nova postura do governo frente aos novos quadros que
compõem a educação básica. As Universidades incomodam, mas as Universidades autônomas
incomodam muito mais. “E se a moda pegar e os estados de Pernambuco e Rio Grande do
Norte resolverem fazer a mesma coisa?!”.
A terceira estratégia é a de falso paladino da gestão pública. Denegrir a imagem da
instituição e associar a autonomia com a ingerência e má gestão dos recursos públicos, farra
administrativa, etc, etc. Obviamente que temos problemas administrativos e, por influência da
própria classe política, os mesmos vícios da administração pública brasileira acabam
aparecendo em todas as instituições. A Universidade não é uma ilha de pureza dentro de um
Estado contaminado nem uma fruta podre dentro de um estado purificado, é uma instituição
nova que experimenta os seus primeiros anos de autonomia financeira. Espero que a força
política de intelectuais comprometidos com as causas sociais possa assegurar que esse quarto
poder não se afaste do povo como os outros três.
A emancipação social pela educação é uma realidade incontestável e, quando vejo filhos
de agricultores pobres do interior do Estado ingressarem na Universidade e mais tarde
retornarem a ela como professores doutores e pesquisadores de renome internacional, não
posso deixar de reconhecer a importância social dessa instituição. O Judiciário, o Executivo e o
Legislativo que me perdoem, mas, pela educação chegamos mais perto do povo e pelo
conhecimento podemos oferecer igualdade de condições e possibilidades de ascensão social.
Por esses e muito outros motivos acho, sinceramente, que a maioria do povo paraibano e
nordestino ganha com a autonomia.
Para além do “acanhado orçamento participativo”, o estado democrático deve cada vez
mais confiar à gestão administrativa de recursos as suas instituições. E os lideres e gestores
das instituições autônomas, devem garantir a presença de mecanismos de fiscalização interna
que, em sintonia com a sociedade, possam protegê-las das ingerências políticas e dos seus
próprios equívocos administrativos. No caso da Universidade, a criação de Conselhos
Universitários livres e eleitos pela comunidade universitária poderá ser um primeiro passo para
criação de um cinturão que proteja o gestor e a instituição das ingerências externas e internas.
A construção de uma nova organização sindical, livre e que represente os interesses da
comunidade acadêmica é outra tarefa urgente. O renascimento do movimento estudantil, com
novas lideranças e novo formato também será imprescindível.
Sem medo da DEMOCRACIA, todos pela AUTONOMIA!

CARTA ABERTA AOS SEGMENTOS DA UEPB E À SOCIEDADE PARAIBANA.





Vimos, através desta, manifestar o nosso mais veemente repúdio e a nossa mais sincera indignação com
relação  à maneira  pelo qual, nos últimos dias, a Administração Central da UEPB, a atual Diretoria da
ADUEPB e o Governo do Estado da Paraíba vêm tratando a nossa valorosa UEPB, patrimônio legítimo de
seus servidores, estudantes e dos paraibanos (seus verdadeiros mantenedores).
Num verdadeiro desrespeito à participação democrática, num gesto de oportunismo político em defesa de
benefícios próprios, a Administração Central da UEPB demonstra cabalmente quais são os seus reais
objetivos. Enclausurada numa forma de administrar autoritária, centralizadora, populista e desrespeitosa
para com seus pares, utiliza-se sempre da política de favores, em âmbito interno e externo, do expediente
da velha demagogia política para se manter encastelada no apogeu de uma estrutura acadêmica que está
sendo degradada paulatinamente.
Infelizmente, presenciamos um engodo acadêmico magistral  na UEPB e, por mais que a Administração
Central não queira admitir, a situação atual representa o próprio anacronismo dos equívocos administrativos,
ao longo dos últimos anos, apontando  para a deformação total de uma Instituição de Ensino Superior
Público que deveria ser  exemplo de princípio ético  e moral para a população  do estado paraibano, que
destaca-se a nível nacional, segundo dados do IPEA (2010), como o 4º estado com o maior índice de
pobreza absoluta e  o 2º  com a maior concentração de renda da Federação Brasileira.
De quem estão zombando?
Sabemos que, no atual contexto de desmantelamento dos serviços públicos, o Estado promove um
verdadeiro sucateamento da educação no país, abrindo espaço para os ganhos das personificações do
capital e, na Paraíba esta situação não é diferente. Mas, tal constatação não impede uma cobrança incisiva
pela transparência  dos gastos da UEPB.  Ora, se, a UEPB administra tão democraticamente e com
transparência, porque não publiciza para as instâncias de decisão e para o conjunto dos seus servidores e
alunos as suas Despesas?
Na realidade, só agora ensaiam um pseudo debate em torno da autonomia. Mesmo assim, estamos prontos
para debater e construir um novo caminho para a UEPB.  Nesse sentido, não queremos apenas discutir a
questão das Receitas, mas também das Despesas. Queremos manter e consolidar a Autonomia da nossa
Instituição, ancorada nos princípios da democracia e da transparência.
Será que ainda querem usurpar a dignidade daqueles que lutam veementemente para a consolidação desta
Instituição, de forma sincera, honesta e ética?  Lembram da nefasta ação que todos vocês (ADUEPB e
Administração  Central  da UEPB) executaram contra nós no mês de Maio de 2011, desmantelando
irresponsavelmente o movimento grevista, que responsavelmente já sentia a necessidade de urgentes
ajustes na direção do controle social da UEPB?
O mundo acadêmico de vocês, com certeza, não é o nosso mundo, a prática política de vocês não condiz
com a nossa prática. A metodologia administrativa adotada por vocês na UEPB não é e não será a nossa
metodologia administrativa. Porém, a UEPB não é patrimônio de oligarquias e sim de toda a sociedade
paraibana. Não podemos aceitar as investidas do Governo, da ADUEPB e da Administração Central no
sentido de confundir a opinião pública sobre o atual momento de crise que explode as vésperas do pleito
eleitoral. Mesmo reconhecendo as nossas gritantes divergências, mesmo atentos ao fato de que “nem todos
os gatos são pardos” poderemos marchar juntos em defesa de uma UEPB,  desde que verdadeiramente
autônoma, democrática, ética e soberana. Para isso precisamos de:
AUTONOMIA JÁ! DEMOCRACIA JÁ! TRANSPARÊNCIA JÁ E AUDITORIA NA
UEPB JÁ!
Corrente de opinião COMPROMISSO COM A UEPB, 07 de Fevereiro de 2012.
Contato através do E-mail: compromissocomauepb@gmail.com

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Insatisfação nos quartéis é fruto da crise!


Nota da Direção Nacional do PSOL sobre a greve dos políciais militares na BA 
e a crise da segurança pública brasileira.

O ano de 2012 começou com a fortíssima greve unificada dos policiais militares e bombeiros do estado do Ceará, e se aprofunda com a deflagração da greve da PM no estado da Bahia. Além das mobilizações no Pará e Espírito Santo, possivelmente na próxima semana, os policiais civis, militares e bombeiros do Rio de Janeiro também devem parar. 
Ocorreu o despertar dos policiais para a luta por melhores salários e condições de trabalho. A luta dos bombeiros no RJ deu exemplo de resistência. A necessidade e a justeza desta luta se espelham na defesa do PSOL pela aprovação da PEC 300. Há um conluio do governo federal e dos governos estaduais para impedir a aprovação de um piso nacional para policiais militares, e ao mesmo tempo, o governo Dilma anuncia corte de R$ 60 bilhões no orçamento 2012. Tudo isso para satisfazer os interesses dos credores da dívida pública.
É necessário afirmar que a crise nesta área afeta diretamente os mais pobres e, sua resolução, é dever dos governos estaduais e federal. Uma das principais medidas neste sentido é a aprovação da PEC 300, garantindo salários dignos aos trabalhadores, acompanhada de uma profunda reflexão sobre o atual modelo da segurança pública brasileira que hoje, infelizmente, criminaliza e persegue as maiorias excluídas como a população LGBTT, a juventude negra e o conjunto dos movimentos sociais em luta.  
Denunciamos a postura autoritária dos governos estaduais, que se juntam para reprimir os movimentos de greve. Neste caso tal atitude unifica PSDB, PT e PMDB.
O PSOL é contra que os trabalhadores paguem pela crise. Continuamos batalhando pela auditoria da dívida pública e pelo fim do superávit primário.
O PSOL exige abertura imediata de negociações com grevistas da Bahia, do RJ e dos demais estados, a mais breve aprovação da PEC 300 e o fim da criminalização dos movimentos sociais!

Brasília, 03 de Fevereiro de 2012.
Direção Nacional do PSOL 

Manifesto Popular pela Autonomia da UEPB

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Mais um golpe na Educação Pública: Governador ataca a autonomia da UEPB


A população paraibana, e especificamente a comunidade acadêmica, foi surpreendida nesta sexta-feira pela decisão do governador de atacar frontalmente a autonomia da UEPB. Em apenas um dia Ricardo Coutinho “acaba” com o duodécimo da universidade e determina que todas as movimentações financeiras seja feita via conta do Estado. Como consequência imediata deste fato o orçamento da universidade que deveria ser de aproximadamente RS 28 milhões mensais, será de apenas 18 milhões. Caso se concretize esta iniciativa do Governo, a consequência mais imediata será a redução dos investimentos em todos os setores, da pós-graduação passando pelos recursos humanos até a assistência estudantil.

Infelizmente a situação estrangulou. Mas o governador Ricardo Coutinho já vinha dando sinais de que sua relação com a educação, e especificamente com a UEPB, não estava entre suas prioridades. Desde o início do seu governo manteve um debate com os professores do ensino básico com base em sofismas e no início deste ano fechou quase 200 escolas estaduais.

No que se refere a UEPB desde 2011 o governador  não vem respeitando a lei de autonomia. Durante o ano passado os repasses ficaram bem abaixo dos 5,77% que determina a lei de autonomia. Como consequência a data base (janeiro) para reajuste salarial dos servidores não foi respeitada. Após 5 meses de espera os professores da UEPB reunidos em assembléia geral, e contra a vontade da direção sindical,  decidiram por uma greve por tempo indeterminado.

            Após 4 dias de greve, como a assembléia rejeitou uma proposta verbal feita pelo governador, este enviou uma proposta por escrito onde reconhecia parte da dívida deixada pelo governo anterior e se comprometia a reestabelecer os repasses integrais do duodécimo a partir de agosto de 2011. Com essa proposta na mão, a direção sindical da ADUEPB  chamou uma assembléia geral e juntamente com a direção da universidade decidiram aceitar a proposta do governo. Nesta assembléia eu e outros colegas avaliávamos que a proposta do governo era insuficiente e não garantia a autonomia da  UEPB e que, por isso, deveríamos estender um pouco mais a greve no sentido de levar o governador a nos dar garantia reais de respeito a autonomia. Perdemos a assembléia e foi aprovada a proposta de acabar com a greve defendida pela direção da Universidade e do Sindicato (Aduepb).

            No entanto, mesmo após a greve, nem o governo do Estado nem a Reitoria conseguiram cumprir integralmente o acordo  para o reajuste salarial, apresentado por eles próprios, para pôr fim a greve. Assim, chegamos ao final de 2011 sem a conclusão do reajuste salarial. No mais, o compromisso assumido pelo governador para reestabelecer o duodécimo em agosto de 2011 nunca foi cumprido e a UEPB continuou sendo desrespeitada na sua autonomia, tudo isso aconteceu sem que a direção da universidade ou a direção da Aduepb, no desempenho dos seus respectivos papéis, esboçassem uma reação à altura.

            Por fim, chegamos ao final de Janeiro de 2012. Mais uma data base dos servidores foi desrespeitada pelo governo do Estado e pela reitoria da universidade. No entanto não é só isso. Agora o governo não ataca apenas os servidores, é a universidade enquanto instituição que sofre um duro golpe na sua autonomia. É a população paraibana que assiste a uma tentativa de desmantelamento da UEPB por parte do atual governador. São os jovens que esperam contar com vagas na universidade pública para cursarem o ensino superior que começam a ser usurpado desse direito.

            Não se admirem isso é só o começo. Com esse golpe de girassol poderá vir a desvalorização profissional, o sucateamento dos equipamentos e, finalmente, a privatização, como Coutinho fez com o hospital de traumas em João Pessoa.

            A comunidade acadêmica precisa reagir!

VEJA ABAIXO A MENTIRA CONTADA PELO CANDIDATO

Ricardo defende consolidação e autonomia da UEPB

sábado, 7 de janeiro de 2012

Desenvolvimento e socialismo


Falar em socialismo deixou de ser um despautério. A crise internacional desmoralizou os fanáticos do mercado. Mas qualquer mudança social tem de ser pensada em meio a um projeto de desenvolvimento viável e no bojo das disputas políticas reais da sociedade brasileira.



Gilberto Maringoni
(Publicado na revista Margem Esquerda no. 17, Boitempo Editorial, 2011)




Introdução

A possibilidade concreta de se viabilizar uma transição ao socialismo está hoje fora da agenda da sociedade brasileira. A hegemonia burguesa consolidou-se, após um longo período de defensiva das idéias socialistas. Parte da esquerda formada a partir dos anos 1970-80 adaptou-se e ajudou a consolidar tal hegemonia, conferindo-lhe inédita legitimidade.

Essa parcela significativa da esquerda – que inclui lideranças políticas, sindicais e populares – dá nova qualidade ao pacto de classes estabelecido no Brasil, após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva à presidência, em 2002. Estabeleceu-se uma aliança sólida entre tais setores e o grande capital financeiro e industrial e o agronegócio, em torno de um projeto de desenvolvimento. O detalhamento de tal pacto pode ser lido aqui.

Embora se percebam vários matizes no interior desse grande acordo, a maior parte de seus agentes se unifica em torno de algumas linhas-mestras: 1. Absoluta prioridade aos setores rentistas, para os quais se destina cerca de 47% do orçamento federal, sob a rubrica de pagamento dos serviços da dívida pública, baseados nos juros reais mais altos do mundo; 2. Manutenção de uma taxa de câmbio valorizada, que favorece o capital externo e penaliza os setores industriais; 3. Livre circulação de capitais; 4. Expansão do mercado interno, através da elevação do salário mínimo e de programas de transferência de renda; 5. Diversificação dos parceiros comerciais do Brasil no plano externo e 6. Manutenção de toda ordem jurídico-institucional criada para a implantação do modelo neoliberal.

Neoliberalismo puro e duro

Não se trata mais do neoliberalismo puro e duro dos anos 1990, quando aconteceram as privatizações em massa e o grosso das reformas constitucionais que garantiram a nova ordem. Tudo se deu ao custo de aumento do desemprego e de três crises consecutivas na economia brasileira. Esse viés mais radical do mercadismo perdeu legitimidade, mas permanece vivo nas páginas e telas da grande mídia e nos partidos de direita. Atualmente, mantidas suas características básicas, o modelo se arraigou na sociedade brasileira, gerando moderadas taxas de crescimento econômico, além de uma melhoria no padrão de vida dos assalariados e da adoção de políticas sociais focadas.

Num plano muito minoritário em termos de expressão política, existe um projeto à esquerda – que contempla também várias nuances. Na verdade, não se conforma nitidamente como alternativa, mas como ideário disperso em alguns setores sociais. Ele poderia, genericamente, ser classificado como democrático-popular. Essa vertente envolve frações dos trabalhadores, da pequena e média burguesia e mesmo partes minoritárias da burguesia. Algumas dessas formações encontram-se abrigadas no pacto de classes majoritário e, vez por outra, exibem descontentamentos com os rumos da orientação geral.

Como tratar a questão da transição do capitalismo para o socialismo nessas balizas concretas? Como colocar o tema no plano da tática – ou seja, da política – e não no terreno de uma estratégia desvinculada da formação social e econômica e social atual do país?

Este pequeno texto não responde a tais questões. Elas seguem em aberto nos dias que correm. Busca-se aqui tão somente apontar a necessidade de articulação entre um projeto de desenvolvimento democrático e popular nos marcos do capitalismo realmente existente e a luta pelo socialismo.

Problema tático

Duas décadas depois da derrocada dos regimes do socialismo real, que gerou uma aguda crise política e ideológica na esquerda mundial, e quase uma década após a chegada ao poder de um partido de origem popular no Brasil, o que significa exatamente advogar uma ruptura socialista?

Um objetivo como esse não pode ser uma construção apenas doutrinária, desvinculada das lutas e condições da realidade política. Ruptura – ou revolução - e socialismo não são valores ou categorias morais. São, antes de tudo, objetivos políticos, inseridos na real disputa de forças na sociedade. Isso implica estabelecer metas de curto, médio e longo prazo, examinar quem são os sujeitos políticos dessa empreitada, os aliados e os inimigos e traçar um programa mínimo e um programa máximo de ação. Em outras palavras, são partes da construção de uma tática e de uma estratégia política. Não se trata assim de tarefa acadêmica. Uma articulação desse tipo deve captar uma necessidade expressiva na sociedade, tendo como núcleo fundamental os trabalhadores, os setores pobres da cidade e do campo e parcelas da pequena burguesia. Outras frações de classe podem eventualmente se juntar nessa empreitada, dependendo das condições concretas da disputa política.

Revolução em xeque

Ao longo das últimas duas décadas, revolução passou a ser um conceito tido como obsoleto. A queda do muro de Berlim, em 1989, a derrota eleitoral dos sandinistas na Nicarágua, em 1990, o desmanche da União Soviética, em 1991, e a supremacia do modelo neoliberal em quase todo o mundo, acuaram as forças que pregavam mudanças na ordem social. A própria idéia de revolução, no sentido de uma transformação radical da realidade, foi colocada em xeque. Ela voltou à baila primeiro pelas mãos do presidente venezuelano, Hugo Chávez, que desde sua chegada ao poder, em 1998, alardeia comandar uma revolução em seu país. Mais recentemente, as mobilizações populares nos países árabes chegaram a ser chamadas de revolução. Independente da exatidão ou não na utilização do termo, o certo é que ele saiu do limbo a que foi relegado há duas décadas.

O que é uma revolução? As definições sobre uma mudança de tal natureza foram sintetizadas por Caio Prado Júnior (1907-1990):

Revolução, em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico assinalado por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas que, concentradas em período histórico relativamente curto, vão dar em transformações estruturais da sociedade, e em especial das relações econômicas e do equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais. [1] 

Fernando Claudín (1915-1990), histórico dirigente comunista espanhol, destaca um traço fundamental nas revoluções:

Toda revolução social, tanto socialista como burguesa, compreende como momento necessário a revolução política, a passagem do poder a uma nova classe. [2]

O debate sobre processos revolucionários pode levar à discussão de outro conceito banido da agenda política: o projeto socialista. Se, como dizia Marx, o socialismo representará o desenvolvimento máximo das forças produtivas, com a disseminação do bem-estar e da qualidade de vida, há que se superar o desenvolvimento capitalista, mudando sua qualidade, guardando algumas de suas características, mas negando outras, essenciais, para a construção de uma nova síntese que pode ser genericamente chamada de desenvolvimento socialista.

A esquerda e o desenvolvimentismo

Embora o desenvolvimento econômico sob o capitalismo seja um projeto essencialmente burguês, é preciso levar em conta algumas de suas características. No caso brasileiro recente, o aumento da massa salarial, a expansão dos níveis de emprego e a disseminação do crédito acabam por atrair largos setores dos trabalhadores para o pacto dominante. A melhoria imediata dos padrões de vida, como acontece atualmente em vários países da América Latina, após duas décadas de estagnação, consolidou a idéia que o desenvolvimento é igualmente bom para todos.

Celso Furtado (1920-2004), o mais radical e talentoso reformista burguês do Brasil, diferenciava desenvolvimento de crescimento. Para ele, “O crescimento econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento” [3].

Ou seja, trata-se de um processo de transformação social. Essa transformação será tão mais profunda quanto mais a esquerda socialista souber empreender uma luta política para fazer aliados e formular programas na luta por um desenvolvimento distributivista, democrático e ecologicamente sustentável, que aponte para o socialismo. Não se coloca aqui em dúvida que a transformação almejada será socialista. Discute-se a tática a ser empreendida. Ela depende dos rumos a serem traçados, mas sobretudo da luta e das condições política concretas.

Para definir os atores sociais de uma empreitada dessa envergadura, é preciso apontar o que se quer e onde se deseja chegar. A estratégia de transformação conformará a frente de interesses e de interessados, deixando claro quais os beneficiados e quais os prejudicados com o processo.

O tal do reboquismo

Ao mesmo tempo, a esquerda não pode permanecer como caudatária do desenvolvimentismo burguês. Isso aconteceu de forma clara depois da divulgação da Declaração de Março de 1958, do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A íntegra do texto pode ser lida aqui.

Vale a pena estudar aquele documento. Ele é contraditório, mas extremamente interessante. O texto tem o mérito de produzir um giro na atuação partidária, que havia adotado concepções ultraesquerdistas, estreitas e sectárias após a publicação dos manifestos de janeiro de 1948, de agosto de 1950 e das resoluções do IV Congresso, de 1954. Todos representam reações à colocação do partido na ilegalidade, em 1947. O resultado foi o isolamento do PCB das forças nacionalistas e progressistas.

Após o texto de 1958, a agremiação adotou uma linha de participação no movimento nacionalista, assumiu a luta democrática como bandeira e possibilitou a ela tocar as questões concretas do dia a dia. Houve uma busca pela concretização de alianças, sem exigências irreais, dogmáticas e apriorísticas de hegemonia, como acontecia no período anterior.

No entanto, a Declaração de Março tem como questão principal um grave erro estratégico, fruto de uma análise precária da composição de classes da sociedade brasileira. O texto atribui à “burguesia nacional” um papel progressista. A dada altura, a Declaração diz o seguinte:

O proletariado e a burguesia se aliam em torno do objetivo comum de lutar por um desenvolvimento independente e progressista contra o imperialismo norte-americano. 

O resultado concreto foi que o Partido acabou por se colocar a reboque da “burguesia nacional” e de sua concepção política e econômica central, o nacional-desenvolvimentismo. A maior parte dessa burguesia aliou-se ao imperialismo no golpe de 1964, isolou e combateu os comunistas e a esquerda em geral.

O período nacional-desenvolvimentista não foi uniforme e suas características intrínsecas conheceram várias nuances. Obteve-se, através dessas orientações, um modelo de modernização acelerado, que não tocava nas estruturas arcaicas de concentração da renda e da propriedade.

Provocou um dos maiores deslocamentos humanos da história contemporânea, através das migrações internas do campo para a cidade, com vantagens e problemas daí advindos.

O desenvolvimentismo dos anos 1950 entrou em crise, no final daquela década, por conta da maciça e crescente necessidade de importação de bens de produção, o que passou a causar desequilíbrios estruturais no balanço de pagamentos. Some-se a isso, uma contradição inerente ao desenvolvimento, a formação de uma numerosa e disciplinada classe operária, que passou a reivindicar uma repartição maior das riquezas por ela produzida, colocando-se na prática contra um dos pilares do modelo, a superexploração do trabalho.

As raízes do golpe de 1964 estavam principalmente em impedir que as classes sociais emergentes na cena política a partir de 1930 – especialmente o operariado, os trabalhadores rurais e setores das camadas médias – exigissem democratização da propriedade, da renda e do poder político. Para seguir atraindo o capital externo, o país teria de domesticar as reivindicações trabalhistas e criar um ambiente politicamente estável.

O golpe de 1964 é a maior expressão histórica do equívoco de se submeter o movimento popular a uma diretriz própria da burguesia. O exame criterioso desse exemplo deve nortear as ações táticas e estratégicas da esquerda brasileira.

As vertentes da retomada

Após duas décadas de defensiva das camadas populares, a sociedade brasileira viveu novamente, a partir dos anos 1980, um intenso período de disputas, no bojo das lutas políticas pelo fim da ditadura. O debate tinha como pano de fundo a ofensiva do movimento popular.

A percepção de que o modelo anterior entrara em crise, gerando um acentuado desgaste político do regime suscitou um grande debate nacional. Ele combinava reivindicações democráticas com definições de rumos na economia. Havia três vertentes e várias nuances no tabuleiro.

A primeira delas, liderada pelo grande capital, clamava por uma política de desestatização, identificando o propalado gigantismo do Estado como matriz da dinâmica recessiva e inflacionária que o país viveu a partir de 1982. A saída seria uma redução do papel do Estado, para liberar energias produtivas da iniciativa privada.

A segunda era vocalizada por setores da burguesia – cuja tradução política se dava através da maioria do PMDB – e por uma parte do movimento social, especialmente pelos setores nos quais o PCB tinha forte presença. Exigiam uma redefinição do papel do Estado, que deveria retomar suas características de planejador e impulsionador do desenvolvimento.

E a terceira vertente – formada pelas lideranças do chamado “novo sindicalismo”, por egressos da luta armada dos anos 1960-70 e por facções progressistas da Igreja Católica – advogava, de maneira rudimentar, uma ruptura com o capitalismo, sem mediações com a burguesia brasileira. Eram os setores que convergiriam para a formação do Partido dos Trabalhadores. A agremiação nasceu e cresceu criticando a política de alianças de classe do PCB.

Ao longo dos anos, a segunda e a terceira vertente tiveram grande convergência. Ou seja, o PT paulatinamente passou a adotar a aliança de classes que renegara no passado. E ao conquistar o poder de Estado, aconteceu o que o economista Paul Singer notou em entrevista recente: A “aliança com sistema financeiro e latifúndio deu ao PT tranqüilidade para governar”.

Concretizou-se assim o pacto de desenvolvimento mencionado no início. Uma conformação política dessa natureza não é feita para se lutar pelo socialismo e muito menos para mudar estruturalmente a sociedade. É neste cenário que o grande capital, o agronegócio exportador e as velhas oligarquias seguem dominando, em aliança com parcelas expressivas do movimento popular.



Colocar na agenda

É também neste cenário que a esquerda socialista precisa alcançar legitimidade para colocar na agenda política a alternativa de uma transformação social radical. Dois erros devem ser evitados:

A) Ficar a reboque do desenvolvimentismo. Os setores que o compõem são aliados em uma luta comum até determinado ponto: romper com alguns constrangimentos impostos pelo capital financeiro, o que não é pouca coisa;

B) O segundo equívoco é o oposto. Seria incorrer num doutrinarismo estéril, sem disputar a base social do pacto dominante, que envolve setores com várias contradições entre si. Seria ao mesmo tempo incorreto eleger o desenvolvimentismo como obstáculo principal da luta pelo socialismo

No plano concreto, um programa tático poderia envolver, entre outros, os seguintes pontos:

A) Uma política monetária e uma política fiscal expansiva, que se traduza na quebra da dominação neoliberal. Concretamente isso se traduz em juros baixos, fim do superávit primário e na adoção de controle de capitais;

B) No âmbito do trabalho, redução de jornada, aumento de direitos e do trabalho formal;

C) Maior controle do sistema financeiro e reestatização das empresas privatizadas nos últimos 20 anos;

D) Aumento do investimento estatal nos serviços públicos

E) Auditoria da dívida pública;

F). Democratização das comunicações;

G) Reforma agrária;

H). Direitos iguais para homens, mulheres, negros e minorias;

I). Uma política de desenvolvimento ecologicamente sustentável.

A partir desses pontos – que contam com a concordância de amplas parcelas do campo popular, algumas hegemonizadas pelo pacto dominante – é que se pode avançar no plano concreto para a construção de uma estratégia socialista com força social.

A luta pelo socialismo é um projeto coletivo e não-linear. Depende das injunções históricas, do ambiente interno ao país, das condições da economia mundial e de decisões na esfera política. Ela necessita da constituição de uma frente popular e democrática, a partir das organizações existentes na sociedade. Pressupõe a disputa das bases sociais do pacto dominante.

A luta pelo socialismo não interessa ao grande capital e nem àqueles que têm no terreno financeiro e na especulação a fonte principal de seus ganhos. Um projeto desse tipo, que passa por uma ruptura revolucionária, pressupõe a supremacia da política, com sociedade organizada, instituições democráticas e Estado e forte. E pela solidificação dos partidos de esquerda.

É algo a favor das maiorias e contra as minorias privilegiadas. Um projeto desse tipo só é possível em um embate antiimperial de envergadura e de integração regional soberana.

(*) Agradeço a sugestões feitas em versões anteriores deste texto por Antonio Augusto, Duarte Pereira, Paulo Kliass e Valter Pomar. Naturalmente, eles não têm responsabilidade alguma sobre as linhas que seguem.



NOTAS

1. Prado Jr., Caio, A revolução brasileira, Editora Brasiliense, São Paulo, 1987, pág. 11

2. Claudín, Fernando. A crise do movimento comunista: vol. 1. São Paulo, Global, 1985. v.1. págs. 51-52

3. Furtado, Celso, Os desafios da nova geração, in Revista de Economia Política, Vol 24, nº 4 (96), Out-Dez – 2004, pág. 484


Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo)